É preciso ter uma cultura imensa e generalista, conhecer o enorme prazer que é comunicar e ser entendido e, sobretudo, ter o talento de ser pedagogo assim, naturalmente, aparentemente sem esforço, para poder ter escrito "Cartas a um jovem economista". Este livro, que acaba de ser editado no Brasil, da autoria de Gustavo H.B. Franco faz parte de uma colecção da editora Campus chamada "Cartas a um jovem..." e é claramente inspirada em obras em que autores mais "velhos" escrevem sobre a sua profissão ou ocupação a interlocutores mais jovens da mesma profissão. Das mais conhecidas e mais importantes para a História da Poesia são "As cartas a um jovem poeta de Rainer Maria Rilke"; mas há também as cartas de James Joyce, de Mario Vargas Llosa, etc..
As cartas a um jovem economista - dez no total - de Gustavo Franco são uma combinação rara de lições sobre História da Economia, a função do economista na sociedade contemporânea, a cultura da economia e o testemunho emocionado, resultado da experiência que foi ter sido um protagonista da grande revolução financeira brasileira que foi a invenção do Plano Real. Neste aspecto quase se poderia dizer que o autor consegue expôr um pathos da economia.
A primeira das cartas - Nosso assunto, o almoço - dá o tom a todo o livro e é desde o início cativante pelo estilo e pela clareza da exposição. Começando por se dirigir ao interlocutor - será sempre um jovem recém licenciado em economia - por Prezado, termo que aparecendo como fórmula antiga, quase fora de moda, revela desde logo um respeito, um tratamento que se quer de igual para igual e respeituosa. Depois, todo o resto da carta decorre num espírito de descoberta socrática, evocando a história, citando autores das mais diversas disciplinas e introduzindo sempre um humor elegante e cheio de oportunidade. Como a propósito da necessidade de o economista ser fluente em inglês: "Devemos transformar o inglês no latim do mundo inteiro. Renda-se logo ao mundo globalizado e resolva de vez esse assunto - e, quanto mais cedo, melhor. É como colocar aparelho nos dentes, será um tormento se você deixar para consertar depois de velho" (p.27).
As cartas decorrem de uma forte experiência autobiográfica, intensa e repleta de múltiplas actividades e cargos. Mas algo ressalta ao longo de todo o livro: uma enorme paixão pelo acto de ensinar. Do início ao fim do livro o historiador, o economista, o consultor, o ex-director do Banco Central do Brasil é antes de tudo o mais, o professor universitário, uma vocação e um talento. Provas? Muitas. Mas esta basta: " O fato é que o economista possui em seu DNA uma interessante mistura de intelectual engajado, formador de opinião, reformador, evangelizador e pregador -que pode ser do gênero estridente, militante ou manso, pouco importa - que encontra uma síntese na sublime figura do professor. E é nesta figura que vejo o uso mais nobre do economista, a função que revela a melhor face desse profissional" (p. 22).
O ex-presidente do Banco Central do Brasil (1993-1999) relata ao longo de várias cartas o que foi o processo da criação do Plano Real de que foi um dos autores. São textos preciosos para entender a História do Brasil Contemporâneo, não só da sua economia e finanças, mas das mudanças estruturais da sociedade, da relação da política e dos políticos com a economia e os economistas, da relação do Brasil com o Mundo, dos economistas no poder com a universidade e a teoria. São capítulos escritos com o discernimento da razão e a paixão de ter participado em tão grande e histórica aventura. Finalmente e neste registo de estímulo à intervenção do economista no mundo, o livro acaba com um email enviado a um ex-orientado de tese entretanto falecido quando se iniciava no estudo em Políticas Sociais. É um autêntico manifesto do melhor que a Economia pode dar ao mundo.
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